escritas e falares da nossa língua


sexta-feira, maio 29, 2009

ridículo (Pt., Gz. e Br.)

ridículo (adj.), do lat. ridiculu significa "aquilo ou aquele que provoca riso, troça, escárnio ou chacota". diz-se da atitude ou circunstância que, sendo natural, é levada ao exagero. cómico, grotesco. (fig.) de pouco ou nenhum valor, insignificante, mesquinho.

"prestar-se ao ridículo": agir de uma forma que provoca o riso, a chacota ou o escárneo.

o ridículo usa-se como arma de combate ideológico, escarnecendo do adversário ou inimigo para fazer crer que tudo o que ele diz ou pensa ou faz é ridículo. e com isso se poupa tempo e feitio em discussões e debates, em filosofias a gosto e argumentos inúteis. pode ampliar-se o uso do ridículo dizendo que determinada ação, opinião ou atitude não pode ser ridicularizada porque já de si é ridícula.

ridículo é qualquer chefe ou estadista deposto ou em vias de o ser, desde que não tenha potencial para mártir ou herói.

ridícula é toda a intimidade exposta ou vista pelo olhar dos outros.
já dizia Fernando Pessoa (melhor, Álvaro de Campos),

as cartas de amor são ridículas:

todas as cartas de amor são
ridículas.
não seriam cartas de amor se não fossem
ridículas.

também escrevi em meu tempo cartas de amor,
como as outras,
ridículas.

as cartas de amor, se há amor,
têm de ser
ridículas.

mas, afinal,
só as criaturas que nunca escreveram
cartas de amor
é que são
ridículas.

quem me dera no tempo em que escrevia
sem dar por isso
cartas de amor
ridículas.

a verdade é que hoje
as minhas memórias
dessas cartas de amor
é que são
ridículas.

(todas as palavras esdrúxulas,
como os sentimentos esdrúxulos,
são naturalmente
ridículas).

sábado, maio 23, 2009

barriga cheia, companhia desfeita

há certos simpósios científicos em que é servido almoço ou jantar de graça (*), enquanto desfila um naipe de sumidades e respetivo repertório. uma hora antes já tem fila de hora e meia, como se fora haver entrada livre para concerto dos Rolling Stones. mas, depois, a coisa fia de outro modo: a meio da sessão, comida a sobremesa, o pessoal esquece ao que foi e começa a debandada. porque barriga cheia não escuta ciência.

sobre "barriga cheia" há uma série de expressões que vale a pena registar:

barriga cheia, feijão tem bicho (Br.)
barriga cheia, goiabada tem mofo (Br.)
chorar de barriga cheia

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(*) a coisa tem razão de ser. "simpósio" é uma palavra grega que quer dizer "beber em conjunto". aplicava-se ao costume grego de discutir matérias relevantes enquanto se bebia em conjunto.

sexta-feira, maio 22, 2009

você está aqui

"você está aqui"- dizem os mapas de rua.
mas os mapas de mão não dizem "você está aqui". a gente vira, revira, dobra, desdobra, pergunta, traduz e vira errado.
o jeito é andar de GPS.

segunda-feira, maio 11, 2009

ramboia (Pt., Gz. e Br.)


"ramboia" (subst. fem.) significa "divertimento", "boémia", "borga", "festa", "animação", "estroinice", "vadiagem". na raia de Ourense tamém significa(va) "contrabando com Portugal".



imagem: topaziodasolum.blogspot.com

sexta-feira, maio 01, 2009

maias, maios (Pt., Gz.)

festa antiquíssima, o maio celebra o fim do inverno e a sagração da primavera.
assim, um dos costumes associados aos maios ou maias é o de comer castanhas guardadas de propósito para este dia.

e com isso a castanha se associa ao início e ao fim do inverno.

dos costumes constava tamém, nuns lados, uma boneca de palha de centeio, em torno do qual se dançava toda a noite de 30 de abril para 1 de maio; noutros locais, uma menina de vestido branco coroada com flores e sentada num trono florido era prendada todo o dia com danças e cantares.
por detrás destas meninas, de palha ou de carne e osso, estava o costume, mais antigo, de levar as virgens ao bosque num ritual orgíaco - com o que se reverenciava a fertilidade e a vida.

a cristianização dos maios foi lenta e difícil, representada por inúmeras lendas que tentam explicar o costume e por disposições contraditórias das autoridades.
assim, por exemplo, no séc. VI, o papa Gregório Magno aconselhava algumas concessões ao paganismo: "não suprimais os festejos que aquelas gentes celebram nos sacrifícios que oferecem aos seus deuses; transladai essas festas para as efemérides dos santos mártires, a fim de que, conservando algumas grosserias e loucuras da idolatria, se predisponham de mais boa mente a apreciar as alegrias espirituais da fé cristã".
mas em Lisboa, uma Carta Régia de 14 de agosto de 1402, determinava aos juízes e à câmara que "impusessem as maiores penalidades a quem cantasse maias ou janeiras e outras coisas contra a lei de Deus".
apesar da quase completa destruição dos valores labregos nos tempos que correm, ainda é possível observar ramos de giestas em flor, ou coroas de giestas com outras flores e enfeites, nas portas e janelas das casas ou nos carros, na noite de 30 de abril para 1 de maio.
a industrialização viria a substituir a festa das maias, ou dos maios, pelo dia do trabalhador assalariado. e tamém esta festa foi alvo de uma tentativa de cristianização já decadente, sob a invocação de São José operário.